Van Zee, Rapper de alma nua

Van Zee, um dos artistas portugueses mais ouvidos em 2023, era sentido como uma promessa já em 2019, para quem de perto acompanhava o panorama musical da Ilha da Madeira. Conquistava o mérito de ter lançado o single mais ouvido de um artista da Região. Uma verdadeira revelação do RAP madeirense, segundo a revista online Realpolitik-madeira.

Num momento complicado para o rapper, a faixa “Noites em branco” foi o movimento que iniciou a sua erupção criativa. Para Van Zee, “vem quase como um leap of faith numa das alturas mais baixas da minha vida”, comentou em entrevista à Genius Portugal.

Iniciou a sua jornada musical aos 15 anos, construindo uma narrativa sonora que transcende fronteiras. Resultado de uma fusão de experiências, guia os ouvintes numa viagem sensorial, desafiando as convenções musicais da ilha, um “panorama artístico (…) pouco apoiado e (…) um meio fechado”, afirma ainda Van Zee.

A sua colaboração com o produtor Nort funcionou também como um gatilho para aprofundar diferentes melodias e técnicas de composição. Essa exploração constante não só colocou à prova a sua identidade, como também tem contribuído para a sua evolução artística.

Da Ilha para o Mundo

Van Zee transcende fronteiras geográficas. Com raízes na Madeira e sangue neerlandês, iniciou uma jornada que o levou a Amesterdão e, agora, o coloca no centro musical de Lisboa. O seu percurso é verdadeiramente “da ilha para o mundo” (Van Zee – Forget it, 2021), uma afirmação que manifesta em várias das suas músicas.

Fotografia: @evacvf

A narrativa de Van Zee é um testemunho de como as experiências em diferentes lugares moldam e influenciam a expressão de um artista. A insularidade é mais do que uma condição geográfica, para Van Zee é uma força criativa. Ao assimilar a sua origem insular, encontra inspirações únicas para a sua escrita.

Esta ligação estreita ao espaço é partilhada com outros artistas, como Slow J e a sua íntima relação com o “Sado”, ou Sam the Kid e o bairro de “Chelas”. No entanto, ela estende-se de forma geral a todo o movimento Hip Hop, criando uma sinergia entre a geografia, a inspiração e a expressão artística.

Mas Van Zee também sonha em inglês, permitindo-o deambular pelos dois dialetos numa dança perfeita de rimas e reflexões melódicas; como é referido por Pedro Teixeira da Mota, no podcast watch.tm, com o verso “Shawty chora no meu shoulder”. 

A importação de vocabulário nem sempre é bem aceite no panorama musical nacional, porém, e segundo o romancista Vergílio Ferreira, “Uma língua é o lugar donde se vê o mundo e de ser nela pensamento e sensibilidade”. Ter vivido em Amesterdão estimulou a mescla de dialetos até no momento de sonhar, criando um elo orgânico na escrita de Van Zee.

Poesia do Mar

Van Zee, assim como outros rappers e poetas, utiliza o ambiente como uma fonte de inspiração. As referências poéticas ao vento, lua e mar transcendem a mera descrição visual. Seja o mar como pulsar da Ilha, a Lua como testemunha ou o Sol como conselheiro; elas capturam elementos que caracterizam a essência do lugar de origem, a Madeira, e oferecem uma narrativa que estimula sensorialmente os ouvintes.

O mar é considerado uma extensão da identidade cultural portuguesa, e a ligação emocional com o oceano é evidente em várias expressões artísticas. Ao incorporar estas referências, Van Zee constrói pontes através da música, conectando locais geográficos e ouvintes. Esta poesia do mar não é apenas sobre a Madeira, é também sobre onde tu estás neste exato momento.

Composição e Vulnerabilidades

Um dos pontos que destaca Van Zee é a sua habilidade na composição escrita. Não teme assumir vulnerabilidades, criando uma autenticidade capaz de conectar profundamente com o seu público. Cada palavra é como uma janela para as suas inseguranças e dilemas, proporcionando uma ligação única com cada ouvinte.

“Deixa-me sentir o love
Deixa-me sentir de novo
Há dias em que sinto culpa
Desculpa pelos dias que sinto pouco
Deixa-me sentir a vontade de voltar
Àqueles velhos tempos a sentir a brisa do mar”

É impossível descaracterizar o tom saudosista que percorre muitas das criações de Van Zee. As emoções e reflexões íntimas são compassadas com uma “dialética da saudade”, que como menciona F. Cunha Leão, em O enigma Português, acede a uma “consciência da mudança, do tempo perdido,do bem perdido…”, uma sequência psicológica complexa, inerente à nacionalidade portuguesa.

Fotografia: @evacvf

“Um dia vou trocar essa arte p’la minha saudade” (Van Zee – Amar de Cor, 2022)estas palavras ecoam como um mantra na jornada de Van Zee. Isto não é apenas música, é uma expressão profunda da alma, uma relação íntima entre o artista e a sua própria saudade e capacidade de introspecção. Esta entrega emocional eleva a sua música além das letras e instrumentais, conquistando públicos além do Hip Hop.

A Longevidade da música

Através de uma narrativa focada em emoções, mas também sensações – “hoje acordei em sintonia com o nascer do sol” – as suas músicas ganham uma capacidade imersiva exponencial. Aproximam-nos e permite-nos recordar e contar a nossa própria história através das divagações do artista.

Esta pode ser a chave para equilibrar a narrativa atual no Hip Hop de celebração, com uma narrativa artística pessoal que galga barreiras demográficas até os dilemas transversais de ser humano. Características cruciais para a longevidade e relevância de uma obra.

Já a integração da guitarra em músicas de Rap confere uma qualidade intemporal às mesmas, diluindo uma certa nostalgia pelas suas composições. O Hip-Hop torna-se mais versátil e melódico, captando a atenção de uma audiência mais diversificada.

Em Portugal, rappers e produtores têm explorado com sucesso esta combinação; algumas das faixas abaixo foram a rampa de lançamento destes artistas para o mainstream. Exemplos: Dillaz – A Carta (2012); Slow J – Tinta da Raiz (2015); Phoenix RDC – Vencedor (2019); Van Zee – Tempo (2020).

“Aporia”: Uma Jornada de Exploração Musical

O álbum “Aporia”, lançado em 2021, representa um momento crucial na carreira de Van Zee. Este trabalho não só oferece uma nova perspetiva artística, mas também mergulha em várias nuances instrumentais, explorando diferentes subgéneros do Hip Hop. Ao navegar por melodias acústicas, o álbum transita habilmente entre estéticas trap e drill, demonstrando a versatilidade musical do artista.

“Aporia” é mais um testemunho da evolução pessoal e artística de Van Zee. O álbum serve como um marco significativo, pavimentando o caminho para o que estava por vir. Em entrevista, o rapper descreve-o como um momento de aprendizagem crucial, sublinhando a importância do álbum, afirmando: “Foi perfeito para agora saber o mínimo dos mínimos de como é que vamos lançar um álbum.”

A ousadia de Van Zee ao explorar diversas sonoridades e estilos dentro do Hip Hop reflete a sua disposição para abraçar novos desafios. “Aporia” não é apenas um registo musical, mas um catalisador para a reinvenção do artista, marcando um treino bem-sucedido na sua jornada musical.

“do.mar”: Entre Marés e Melodias

O ano de 2023 marcou a consagração de Van Zee no panorama musical português. Os singles “Senti Tanto” e “Para Casa”, ambos produzidos pelo seu colaborador de longa data, Nort, furaram novos públicos. Num ano também marcado belo “rebentar” de ondas antigas como o caso da música “Tempo” e colaborações de peso como David Piçarra, Ivandro ou FRANKIEONTHEGUITAR.

Estes lançamentos catapultaram Van Zee para o topo das plataformas de streaming, tornando-o um dos artistas mais ouvidos em Portugal, em 2023. O golden boy da Madeira está preparado para iniciar o seu international bizz.

Do.mar é uma ode marítima que encapsula a jornada artística do rapper, não traduzisse Van Zee para “do mar”, em português. Com 21 faixas, o álbum é uma fusão harmoniosa de ritmos e letras introspectivas. Navegando entre diferentes BPMs, consegue fluir de forma melódica em todos os ritmos a que se propõe rimar.

Aos 21 anos, o rapper demonstra uma maturidade artística invulgar, construindo um disco que não apenas entretém, mas também desafia os ouvintes. “Do Mar” é uma narrativa complexa que, assim como o horizonte vasto do oceano, apresenta mais perguntas do que respostas.

As referências marítimas ultrapassam as palavras. Elas ecoam nos instrumentais, muitas vezes romantizados com sons do mar, gotas de água e outros detalhes que tornam a travessia do álbum verdadeiramente imersiva. Cada faixa é como uma jornada, navegando por diferentes aspetos das experiências humanas, desde o amor até às incertezas da vida.

Com Nort enquanto pilar a nível da produção do álbum — FRANKIEONTHEGUITAR também assume uma participação determinante nesse aspecto —, Van Zee contou ainda com um leque de participações de peso neste segundo disco. Desde “À Tua Porta” com Carolina Deslandes, a Julinho KSD em “Só Dá”, Pikika em “Saudade” ou Yuri NR5 em So Flawless”.

As fotografias que acompanham o disco e os videoclipes filmados na Ilha da Madeira adicionam uma dimensão visual envolvente que reforçam a conexão do artista com as suas raízes. 

Este álbum não apenas representa um marco na sua carreira, mas também solidifica a sua posição como um talento emergente capaz de transcender as expectativas, criando um universo sonoro único que convida os ouvintes a explorarem as marés de emoções que ele habilmente desconstroi nas suas músicas.

Referências:

Van Zee, a revelação do RAP madeirense Entrevista por Pedro W. Gois;

O mar e a viagem: sua expressão na literatura portuguesa; Estudo por Maria Luísa de Castro Soares;

O Enigma Portugues; Livro por F. Cunha Leao;

Entrevista a Van Zee; Entrevista por Genius Portugal;

IVANDRO & VAN ZEE | watch.tm 26 Podcast com Pedro Teixeira da Mota;

Van Zee | wav. Entrevista por Alexandre Guimarães;

Van Zee, Biografía de artista por Universal Music.

A insularidade é mais do que uma condição geográfica. Para Van Zee é uma força criativa transformada em ode marítima.

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